domingo, 10 de junho de 2012

Quando um pronto-socorro pede socorro, o que está acontecendo?

Ontem o amigo Alex Freitas postou uma mensagem dizendo que o serviço de urgência de um determinado hospital pede "socorro". Para o usuário, inicialmente, a solução parece muito simples... mais dinheiro pra contratar mais profissionais! No entanto, se a gente olhar com mais atenção é possível perceber muita coisa interessante.

Inicialmente,vale sinalizar que em tudo nessa vida que existem situações que são muito específicas de cada local, de cada indivíduo, é aquilo que a gente chama de singularidades, ou especificidades - tem a ver, por exemplo, com as características biológicas ou genéticas que facilitaram o aparecimento de uma doença em uma pessoa; em um nível um pouco maior existem as particularidades - é aquilo que tem a ver com as características de um determinado grupo - como o aumento de atendimentos a vítimas de acidentes de carro que acontecem em uma rodovia porque ali passa mais caminhões e está mais esburacado - isso é uma situação particular daquela região que tem uma rodovia cortando sua cidade, mas não acontece em outro local onde as pessoas se locomovem por barcos; e existem os problemas estruturais - que são os relacionados com o contexto social, com as políticas públicas, e principalmente ao modo de produção a reprodução social, com a forma de consumo que nos é imposta pelo modelo capitalista - se pensarmos no mesmo exemplo dos acidentes de carro, existe uma questão estrutural relacionada ao aumento do consumo, por isso a frota de carros tem aumentado já que há uma política de redução de preços dos carros para impulsionar a venda de veículos novos, também tem uma política de instalação de fábricas e de produção de bens de consumo nos estados que oferecem isenção fiscal, isso gera uma demanda de transporte das mercadorias para as regiões mais distantes, aumenta o número de caminhões nas rodovias... e o final desse negócio é o bombeiro atendendo o caminhoneiro que saiu do Rio Grande do Sul e sofreu um acidente em Minas Gerais, por exemplo. Sabe aquela brincadeira de "cadê o toucinho que tava aqui..."? É mais ou menos aquilo.

Analisando especificamente os serviços de urgência / emergência, facilmente enxergamos os problemas locais: falta de funcionário, falta de leito, falta de remédio... mas tem mais coisas por trás disso.

FALTA DE FUNCIONÁRIO: Será que falta médico? Será que falta enfermeira? A análise numérica é fácil! Lá nos anos 1970 a Organização Mundial de Saúde estabeleceu metas conhecidas como "Saúde para todos no século 21" que previam 8 médicos, 2 dentistas, 4,5 enfermeiros e 14, 5 auxiliares de enfermagem para cada 10 mil habitantes. Qualquer um que procurar os conselhos profissionais e souber quantos trabalhadores registrados existem atuando na cidade pode dizer se "atingimos" a meta ou não... Olhando além dos números frios, vem a preocupação com a qualidade do atendimento. Os profissionais estão qualificados para fazer o que fazem? Os mais velhos tem acesso a atualização? Os mais jovens saem preparados as universidades? Muitas pesquisas apontam que os profissionais mais jovens não querem voltar para as cidades do interior, não pelos salários, que costumam até ser um atrativo, mas pelas dificuldades que eles sabem que vão enfrentar. Sem respaldo técnico e tecnológico, eles preferem ficar nas capitais, ganhando menos, se desdobrando entre três ou quatro empregos do que sentir a frustração de estarem abandonados à própria sorte... Essa é uma particularidade, mas no nível estrutural o problema é ainda maior: o governo federal tem estimulado a política de mais abertura de cursos de medicina e facilitando o FIES para esses estudantes de cursos de saúde, mas não quer investir nas universidades públicas, deixando a responsabilidade da formação dos profissionais para as instituições privadas - aquelas que querem formar o máximo de alunos com o mínimo de custo, sem nenhum compromisso com a sociedade e visando somente o lucro... Nem precisa dizer no que vai dar né? Daqui uns tempos o CFM, o COFEN, etc.. estarão obrigando os formandos a fazerem uma prova nos moldes da OAB. Também existe uma briga por reserva de mercado, quanto mais profissionais tivermos, mais barato fica a contratação do trabalhador, e isso não interessa para quem já está no mercado. Daí vem um projeto de lei mirabolante, o "ato médico", que tenta criar a necessidade de mais médicos pra garantir que eles vão continuar em falta no mercado, por consequência, sendo contratados a peso de ouro! Já em uma outra galáxia desse universo maluco, a enfermagem luta pra ter sua carga horária reduzida para 30 horas semanais sem prejuízo de salário. A categoria que está ao lado do usuário 24 horas por dia, tem que cumprir uma jornada de 40 horas! O lobby dos donos de hospitais diz que diminuir a jornada encarece muito os custos da assistência, mas os erros graves envolvendo a enfermagem são cada vez mais veiculados na mídia. Será que é só um problema individual do profissional que errou? E a sobrecarga de trabalho? E a qualidade da formação do trabalhador? Alguém se lembra disso na hora de julgar a infeliz que ligou vaselina no lugar de solução fisiológica? Reforço que não sou contra qualquer categoria profissional, não existe mocinho e bandido, ao contrário, somos uma equipe! O bom (ou mal) trabalho de um reflete na atuação de todos! Sou a favor da remuneração justa para todas as categorias, salário que garanta não só comida, mas moradia, educação, lazer, cultura, para o trabalhador e sua família... mas é visível os prejuízos que a exploração capitalista causa aos serviços de saúde. De acordo com a Constituição desse país, saúde não é mercadoria é direito! Mas quem garante os direitos é o Estado e não a iniciativa privada!

FALTA DE INFRA-ESTRUTURA (leitos, aparelhos, remédios...): também existem regras de tudo que é jeito, número de leitos por habitante, número de leitos de UTI, números de Raio X, tomógrafo, máquina de hemodiálise... E o que significa tudo isso? Mais uma vez, saúde é mercadoria que se consome ou direito? A Carta Constitucional define que saúde é um direito que está relacionado às condições de vida, é preciso ter emprego, casa, lazer, cultura, pra se ter saúde, mas a mídia capitalista nos empurra diariamente o discurso de que pra se ter saúde precisamos consumir! Desde adoçantes, linhaça, quinoa, exercícios feitos em academias (e todos os apetrechos vendidos para a prática desses exercícios...), até tomografias, ressonâncias, cirurgias... Se você não consumir tudo isso você vai morrer amanhã! Ora, nessa lógica, o sistema de saúde vira um saco sem fundo! Nem que se invista 100% do PIB na saúde, não há como satisfazer toda a demanda imposta pelo consumismo. Não estou negando de forma alguma que o governo federal precisa investir mais em saúde, estou alertando também é preciso investir bem! Documentos técnicos do Ministério da Saúde apontam "parâmetros de cobertura", "parâmetros de produtividade"... Dentro desses parâmetros estão previstos que 63% dos atendimentos deveriam acontecer nos serviços de Atenção Básica, 22% nos serviços de consultas especializadas e somente 15% dos atendimentos devem ser prestados nos serviços de urgência. Mas se não houver investimento sério na Atenção Básica, não há como ser resolutiva. É preciso ter consultório decente,  valorizar o atendimento de promoção à saúde com antedimentos interdisciplinares, atividades em grupo,  diagnósticos de saúde coletiva e planejamento de ações intersetoriais que melhorem a saúde da comunidade a longo prazo. É preciso enxergar a saúde como decorrente das condições de vida e dos meios de produção e reprodução da sociedade e não como a mera ausência de doença. Mas não dá pra fazer isso em uma casinha "meia-água" onde a sala de vacina teve de ser montada na cozinha e os trabalhadores lavavam as xícaras do café no tanque junto com os materiais de curativo! E isso não acontece nos rincões do Brasil não! Acontece em uma cidade de grande porte bem pertinho de Frutal! Resumindo, o povo não é bobo, vendo que o atendimento prestado na AB não resolve, eles vão procurar um lugar que possa lhes oferecer algo melhor. Resultado: pronto-socorro lotado.

Daria pra detalhar muito mais as questões estruturais relacionadas mas em uma página de blog, nem sempre um texto longo é adequado. À medida que apareçam mais temas a serem discutidos eu vou puxando esse assunto novamente. Deixo abaixo alguns links com dados que eu consultei.

Devido às várias demandas com as quais ando envolvida, passarei a atualizar o blog semanalmente. Abraços a todos.

http://www.opas.org.br/sistema/fotos/leitos.pdf

http://www.femerj.org.br/Legislacao%20SUS/Portaria%201101%20-%20Par%E2metros%20Assistenciais.pdf










domingo, 3 de junho de 2012

CORREÇÃO SOBRE A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE SAÚDE

O vereador Edivalder acaba de trazer a informação de que a pessoa que aparece como presidente do Conselho Municipal de Saúde na lista repassada por ele na segunda-feira de 28 de maio, na verdade não chegou a tomar posse, que estava marcada pra semana passada. A presidente é a sra. Ana Claudia Brito Marchi.

Isso lança mais dúvidas: por que o nome da irmã da prefeita, que era presidente do Conselho, agora não aparece na lista entregue pela prefeitura? Ela saiu na semana passada, exatamente antes de tornarem a tão solicitada lista pública? Mais gente foi desligada antes da informação vir a público?

Quanto à enfermeira Nice Helena Franco Botelho, gostaria de saber se ela fazia parte desse conselho antes das cobranças para que ele se tornasse público, ou se procuraram uma pessoa que inspirasse confiança pra "blindar" o Conselho. Todos os elogios que teci a ela em outra postagem, que é uma profissional competente , dedicada e que me inspirei nela quando lá com meus 15, 16 anos pensava em ser enfermeira, nunca voltei atrás, e que bom que a família dela trouxe  público a informação correta!

Fica evidente que se ninguém questionasse o ocorrido, a população seria enganada mais uma vez com informações incorretas... Os questionamentos produzidos no grupo estão incomodando muita gente, mas tem trazido à tona algumas verdades que jamais apareceriam espontaneamente.


Gastar muito ou gastar bem...

Recebi algumas informações sobre os gastos da prefeitura de Frutal com saúde em 2011. A conta é a seguinte:

Despesas hospitalares -                        10.502.546,80
Despesas com Atenção Básica (AB) -      5.476.444,50
Despesas com administração -                2.396.599,05
Despesas com as vigilâncias -                 1.024.735,84
(sanitária e epidemiológica)
Outros -                                                    629.914,48
                                                           ____________
TOTAL                                                18.758.131,75

Na média, Frutal gastou 378,51 por pessoa, com ações de saúde. Levando em consideração a média de gasto estadual em 2008, que foi 98,68 e federal que foi 162,00, no total, foi gasto com cada morador de Frutal 639,19. Se fossemos excluir os gastos com vigilância e dividir os valores de atendimento hospitalar somente entre as pessoas atendidas, e da AB também, esse valor médio subiria. Esses valores podem estar distorcidos porque estado e federação não distribuem investimentos de forma igual entre os municípios, mas na falta de informações exatas... serve pra termos uma ideia (o cumprimento da lei de transparência ajudaria muito nesse tipo de pesquisa).

Estamos longe de gastar 6 mil reais por ano como na Finlândia, ou mesmo 2,5 mil que é a média mundial, mas para os padrões do Brasil, não estamos mal! Pra se ter uma ideia, Frutal gastou praticamente o mesmo que Brasília.

Me chama a atenção é a inversão de valores, a base de tudo que são os atendimentos de prevenção de doenças e promoção de saúde feitos pelas vigilâncias e pela AB, mas recebem pouco dinheiro. Já a atenção hospitalar consome a maior parte do orçamento. É lógico que os procedimentos hospitalares são mais caros, mas se as vigilâncias e a AB fossem valorizadas, menos gente iria parar no hospital. Enfim, governo federal precisa repassar mais verba para a saúde aos municípios, mas o próximo prefeito precisa planejar bem os gastos. Dinheiro não dá em árvore, sai dos impostos pagos pelo eleitor, e nós sabemos que pagamos muito!

Outa informação pra se pensar - juntas, as três rubricas: saúde, educação e administração consomem mais de 80% do orçamento municipal, mas os países com maiores índices de satisfação em saúde não são os que gastam mais com hospitais, são aqueles em que se gastam mais com qualidade de vida...

Pra quem quiser ver o link com os gastos de Frutal com saúde em 2011
http://www.frutal.mg.gov.br/images/stories/relatorio_pca_2011/ANEXO_XV.pdf