segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sobre a implantação e funcionamento de um serviço de Diálise


Como prometi, fui buscar legislação e normas técnicas pra entender como se monta e como deve funcionar um serviço de hemodiálise. O campo da saúde é muito vasto e não sou profunda conhecedora de tudo quanto existe nesse mundo de meu Deus, mas sou curiosa o suficiente pra fuçar e tentar entender, ou pelo menos pra não me passarem a perna tão facilmente...
Achei dois documentos importantes: a portaria 432/06 da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e a Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) - RDC 154/04 - que estabelece regulamentação técnica parao funcionamento dos serviços de diálise. A grosso modo, o primeiro é uma lei que define QUANDO se pode montar um serviço de hemodiálise e o segundo define COMO esse serviço deve ser montado.

QUANDO OPTAR POR CONSTRUIR UM SERVIÇO DE HEMODIÁLISE
A primeira coisa que a portaria 432/06 deixa claro é que este é um serviço de alta complexidade (ops! ALTA COMPLEXIDADE dentro de um hospital de MÉDIA COMPLEXIDADE... pra mim já começou com a base torta, mas continuemos a análise) que deve fazer parte de uma Rede Estadual de Assistência em Nefrologia, oferecer consultas em nefrologia e garantir de acesso à diálise peritonial ambulatorial contínua (DPAC), à diálise peritonial automática (DPA) e à diálise peritonial intermitente (DPI), quando da necessidade (daí, meu cérebro que não pára um único instante já pergunta: Quem será o nefrologista responsável? Existe esse especialista em Frutal?).
Antes de se optar por instalar um serviço desse tipo é preciso fazer uma análise detalhada que contenha as seguintes informações:
I População a ser atendida;
II. Necessidade de cobertura assistencial;
III. Mecanismos de acesso com os fluxos de referência e contra-referência; (para que todos entendam: referência - quem são os serviços de saúde que mandam esses pacientes para hemodiálise e contra-referência - para onde esse serviço de hemodiálise encaminha os pacientes quando tem algum problema)
IV. Capacidade técnica e operacional dos serviços; (olha o que eu falei lá em cima: tem médico? Tem estrutura?)
V. Série histórica de atendimentos realizados, levando em conta a demanda reprimida; (demanda reprimida: quantas pessoas estão esperando pra serem atendidas)
VI. Distribuição geográfica dos serviços (não pode ter um serviço muito perto do outro, tem que estar espalhado em todo o estado); e
VII. Integração com a rede de referência hospitalar em atendimento de urgência e emergência , com os serviços de atendimento pré-hospitalar, com a Central de Regulação, quando houver, e com os demais serviços assistenciais - ambulatoriais e hospitalares - disponíveis no estado
Outro detalhe importante: além de fazer todos os tipos de diálise (são três tipos diferentes) a fístula (que é o buraquinho, feito por procedimento cirúrgico, onde a máquina será ligada pra tirar o sangue do paciente e filtrá-lo) também tem que ser feita nesse serviço de hemodiálise. As complicações ao se fazer uma fístula podem ser: infecção, trombose, aneurisma, hemorragia. Ou seja, o hospital tem que ter estrutura pra resolver esses problemas (olha o tamanho da estrutura que tem que ter por trás disso... serviço de urgência e emergência, serviço de atendimento pré-hospitalar... a base realmente está torta, mas sigamos em frente).
Algum leitor que passe por aqui com mais frequência pode me chamar de chata e repetitiva, mas não posso deixar de dizer que tudo isso devia ter sido apreciado pelo Conselho Municipal de Saúde e só com o aval deste, o relatório com o pedido de abertura do serviço de hemodiálise, contendo todas essas informações exigidas pelo Ministério da Saúde, poderia chegar na Comissão Intergestora Bipartite.
A portaria também estabelece que o serviço de hemodiálise fica sujeito à fiscalização da Vigilância Sanitária e ao cumprimento de todas as normas técnicas por ela estabelecidas (ai meu Deus! Por que o grilo falante que mora na minha cabeça insiste em fazer tantas perguntas??? A Vigilância Sanitária de Frutal está capacitada para essa tarefa? Se a fiscalização virá da regional de Uberaba, não seria melhor estruturar um bom serviço de vigilância sanitária em Frutal antes de abrir essa hemodiálise?). Quanto ao número de pessoas, há que se atender uma área de 200 mil habitantes, o que gera necessidade de ter uma estrutura que atenda 80 pacientes (em torno de 40 por dia, divididos em até três turnos de atendimento)

Passando para a RDC 504/04 da ANVISA, de cara ela já estabelce que nenhum serviço pode funcionar sem licença das autoridades sanitárias ou estadual, ou municipal (reforço o comentário que fiz ali em cima sobre ter um serviço de vigilância sanitária estruturado que possa dar esse parecer...). O serviço de hemodiálise deve ser fiscalizado duas vezes por ano, a vigilância deve ter acesso a todas dependências e a todos os documentos. A responsabilidade ética, civil e criminal pelas irregularidades constatadas no serviço de diálise é do médico Responsável Técnico (RT).

São ATRIBUIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE DIÁLISE
Os serviços de diálise devem funcionar atendendo os requisitos de qualidade e a um padrão de assistência médica que tenha como objetivo:
a) uma exposição mínima aos riscos decorrentes do próprio tratamento, em relação aos benefícios obtidos;
b) um monitoramento permanente da evolução do tratamento, assim como de seus eventos adversos;
c) responsabilidade integral pelo tratamento das complicações decorrentes do tratamento dialítico;
d) a melhora geral do seu estado de saúde com vistas a sua reinserção social.
Todo serviço de diálise deve fornecer, sob orientação do nutricionista e com base na prescrição médica, um aporte nutricional ao paciente no dia do procedimento dialítico, em local apropriado.

A EQUIPE DE PROFISSIONAIS de acordo com a RDC deve ter:
como Responsáveis Técnicos (RT):
a) 01 (um) médico nefrologista que responde pelos procedimentos e intercorrências médicas;
b) 01 (um) enfermeiro, especializado em nefrologia, que responda pelos procedimentos e intercorrências de enfermagem.
Sendo que o médico e o enfermeiro só podem ser os Responsáveis Técnicos por 01 (um) serviço de diálise.
Além dos dois responsáveis, cada serviço de diálise deve ter a ele vinculado, no mínimo:
a) 02 (dois) médicos nefrologistas, devendo residir no mesmo município ou cidade circunvizinha.
b) 02 (dois) enfermeiros;
c) 01 (um) assistente social;
d) 01 (um) psicólogo;
e) 01 (um) nutricionista;
f) Auxiliares ou técnicos de enfermagem de acordo com o número de pacientes;
g) Auxiliar ou técnico de enfermagem exclusivo para o reuso;
h) 01 (um) funcionário, exclusivo para serviços de limpeza.
O programa de hemodiálise deve integrar no mínimo em cada turno os seguintes profissionais:
a) 01 (um) médico nefrologista para cada 35 (trinta e cinco) pacientes;
b) 01 (um) enfermeiro para cada 35 (trinta e cinco) pacientes;
c) 01 (um) técnico ou auxiliar de enfermagem para cada 04 (quatro) pacientes por turno de Hemodiálise.
(Quanta gente! Cadê esse povo em Frutal?)

EM CASO DE EMERGÊNCIA
O serviço de diálise deve dispor para atendimento de emergência médica, no próprio local ou em área contígua e de fácil acesso e em plenas condições de funcionamento, no mínimo, dos seguintes materiais e equipamentos:
a) eletrocardiógrafo;
b) carro de emergência composto de monitor cardíaco e desfibrilador;
c) ventilador pulmonar manual (AMBU com reservatório);
d) medicamentos para atendimento de emergências;
e) ponto de oxigênio;
f) aspirador portátil;
g) material completo de entubação (tubos endotraqueais, cânulas, guias e laringoscópio com jogo completo de lâminas).

Acho interessante falar sobre a QUALIDADE DA ÁGUA porque é o argumento usado até o momento pra justificar o não funcionamento do serviço:
A água utilizada na preparação da solução para diálise nos serviços deve ter a sua qualidade garantida em todas as etapas do seu tratamento, armazenagem e distribuição mediante o monitoramento dos parâmetros microbiológicos e físicoquímicos, assim como, dos próprios procedimentos de tratamento . A obtenção dos laudos atestando as condições de potabilidade da água, fornecidos pela companhia de abastecimento público ou por laboratório especializado, é de responsabilidade dos serviços de diálise e todas as coletas de água para análise devem ser realizadas atendendo às orientações do laboratório de referência responsável pelas análises (ou seja, é a prefeitura, que quer abrir o serviço, que tem que correr atrás desses laudos).
O sistema de tratamento da água potável para obtenção da água tratada para diálise, bem como seu reservatório e sistema distribuição devem ser especificados em projeto assinado por um responsável técnico, habilitado na área. O projeto deve conter informações sobre o laudo de análise da água potável que se vai tratar, as especificações de operação e manutenção do sistema de modo a assegurar o padrão estabelecido neste Regulamento, para água tratada para diálise.
Os serviços de tratamento e distribuição de água da rede pública devem disponibilizar às Secretarias de Saúde os laudos dos exames de controle de qualidade da água potável e informar sobre qualquer alteração no método de tratamento ou sobre acidentes que possam modificar o padrão da água potável. Os resultados das análises realizadas para controle das condições de potabilidade da água da rede pública devem ser fornecidos pelas Secretarias de Saúde aos serviços de diálise.
Outro ponto que merece destaque é a estrutura necessária para a realização de exames de sangue, pois um grande problema dos serviços de hemodiálise é o risco de transmitir doenças como HIV e hepatite de um paciente para outro.
Aqui eu coloquei somente os pontos mais importantes, mas existe um detalhamento técnico extenso sobre tudo o que eu apresentei.
Agora cabe ao leitor tirar suas conclusões sobre os levantamentos aqui feitos, e se a explicação de que o serviço ainda não foi aberto por conta da qualidade da água é aceitável ou não.

Ah! Pra reforçar a minha chatice em relação ao Conselho Municipal de Saúde, sugiro que os pacientes que sofrem de doença renal se organizem em uma associação, pois a partir do momento em que este serviço foi criado (ainda que só no papel) vocês passaram a ter direito a um assento no Conselho Municipal de Saúde. Corram atrás desse direito! Lutem pra ter esse lugar no Conselho e cobrem todos os documentos e as explicações necessárias até junto ao Papa, se for preciso!
Quero reforçar que não sou especialista em nefrologia e se alguém que entenda mais desse assunto do que eu vier me ajudar nessa reflexão fico muitíssimo grata!
A meu ver o negócio começou torto, mas agora que começou tem que funcionar!

Pra terminar deixo os links do material que eu consultei e mais alguns que podem complementar informações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário