Como
prometi, fui buscar legislação e normas técnicas pra entender como
se monta e como deve funcionar um serviço de hemodiálise. O campo
da saúde é muito vasto e não sou profunda conhecedora de tudo
quanto existe nesse mundo de meu Deus, mas sou curiosa o suficiente
pra fuçar e tentar entender, ou pelo menos pra não me passarem a
perna tão facilmente...
Achei
dois documentos importantes: a portaria 432/06 da Secretaria de
Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e a Resolução da
Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) - RDC 154/04 - que estabelece regulamentação técnica parao
funcionamento dos serviços de diálise. A grosso modo, o primeiro é uma lei que
define QUANDO se pode montar um serviço de hemodiálise e o segundo
define COMO esse serviço deve ser montado.
QUANDO OPTAR POR CONSTRUIR UM SERVIÇO DE HEMODIÁLISE
A
primeira coisa que a portaria 432/06 deixa claro é que este é um
serviço de alta complexidade (ops! ALTA COMPLEXIDADE dentro de um
hospital de MÉDIA COMPLEXIDADE... pra mim já começou com a base
torta, mas continuemos a análise) que deve fazer parte de uma Rede
Estadual de Assistência em Nefrologia, oferecer consultas em
nefrologia e garantir de acesso à
diálise peritonial ambulatorial contínua (DPAC), à diálise
peritonial automática (DPA) e à diálise peritonial intermitente
(DPI), quando da necessidade (daí, meu cérebro que não pára um
único instante já pergunta: Quem será o nefrologista
responsável? Existe esse especialista em Frutal?).
Antes
de se optar por instalar um serviço desse tipo é preciso fazer uma
análise detalhada que contenha as seguintes informações:
I
População a ser atendida;
II.
Necessidade de cobertura assistencial;
III.
Mecanismos de acesso com os fluxos de referência e
contra-referência; (para que todos entendam: referência - quem são os serviços de saúde que mandam esses pacientes para hemodiálise e contra-referência - para onde esse serviço de hemodiálise encaminha os pacientes quando
tem algum problema)
IV.
Capacidade técnica e operacional dos serviços; (olha o que eu
falei lá em cima: tem médico? Tem estrutura?)
V.
Série histórica de atendimentos realizados, levando em conta a
demanda reprimida; (demanda reprimida: quantas pessoas estão
esperando pra serem atendidas)
VI.
Distribuição geográfica dos serviços (não pode ter um serviço
muito perto do outro, tem que estar espalhado em todo o estado);
e
VII.
Integração com a rede de referência hospitalar em atendimento de
urgência e emergência , com os serviços de atendimento
pré-hospitalar, com a Central de Regulação, quando houver, e com
os demais serviços assistenciais - ambulatoriais e hospitalares -
disponíveis no estado
Outro
detalhe importante: além de fazer todos os tipos de diálise (são
três tipos diferentes) a fístula (que é o buraquinho, feito por procedimento cirúrgico, onde a
máquina será ligada pra tirar o sangue do paciente e filtrá-lo)
também tem que ser feita nesse serviço de hemodiálise. As
complicações ao se fazer uma fístula podem ser: infecção,
trombose, aneurisma, hemorragia. Ou seja, o hospital tem que ter
estrutura pra resolver esses problemas (olha o tamanho da
estrutura que tem que ter por trás disso... serviço de urgência e
emergência, serviço de atendimento pré-hospitalar... a base
realmente está torta, mas sigamos em frente).
Algum
leitor que passe por aqui com mais frequência pode me chamar de
chata e repetitiva, mas não posso deixar de dizer que tudo isso
devia ter sido apreciado pelo Conselho Municipal de Saúde e só com
o aval deste, o relatório com o pedido de abertura do serviço de
hemodiálise, contendo todas essas informações exigidas pelo
Ministério da Saúde, poderia chegar na Comissão Intergestora
Bipartite.
A
portaria também estabelece que o serviço de hemodiálise fica
sujeito à fiscalização da Vigilância Sanitária e ao cumprimento
de todas as normas técnicas por ela estabelecidas (ai meu Deus! Por
que o grilo falante que mora na minha cabeça insiste em fazer tantas
perguntas??? A Vigilância Sanitária de Frutal está capacitada para
essa tarefa? Se a fiscalização virá da regional de Uberaba, não
seria melhor estruturar um bom serviço de vigilância sanitária em Frutal antes de abrir essa hemodiálise?). Quanto ao número de pessoas, há que
se atender uma área de 200 mil habitantes, o que gera necessidade de
ter uma estrutura que atenda 80 pacientes (em torno de 40 por dia,
divididos em até três turnos de atendimento)
Passando
para a RDC 504/04 da ANVISA, de cara ela já estabelce que nenhum
serviço pode funcionar sem licença das autoridades sanitárias ou
estadual, ou municipal (reforço o comentário que fiz ali em cima
sobre ter um serviço de vigilância sanitária estruturado que possa
dar esse parecer...). O serviço de hemodiálise deve ser fiscalizado duas vezes
por ano, a vigilância deve ter acesso a todas dependências e a todos
os documentos. A responsabilidade ética, civil e criminal pelas
irregularidades constatadas no serviço de diálise é do médico
Responsável Técnico (RT).
São
ATRIBUIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE DIÁLISE
Os
serviços de diálise devem funcionar atendendo os requisitos de
qualidade e a um
padrão de assistência médica que tenha como objetivo:
a)
uma exposição mínima aos riscos decorrentes do próprio
tratamento, em relação aos
benefícios obtidos;
b)
um monitoramento permanente da evolução do tratamento, assim como
de seus eventos
adversos;
c)
responsabilidade integral pelo tratamento das complicações
decorrentes do tratamento
dialítico;
d) a
melhora geral do seu estado de saúde com vistas a sua reinserção
social.
Todo serviço de diálise deve fornecer, sob orientação do
nutricionista e com base
na prescrição médica, um aporte nutricional ao paciente no dia do procedimento
dialítico, em local apropriado.
A
EQUIPE DE PROFISSIONAIS de acordo com a RDC deve ter:
como
Responsáveis Técnicos (RT):
a)
01 (um) médico nefrologista que responde pelos procedimentos e
intercorrências médicas;
b)
01 (um) enfermeiro, especializado em nefrologia, que responda pelos procedimentos
e intercorrências de enfermagem.
Sendo
que o médico e o enfermeiro só podem ser os Responsáveis Técnicos
por 01 (um)
serviço de diálise.
Além
dos dois responsáveis, cada serviço de diálise deve ter a ele
vinculado, no mínimo:
a)
02 (dois) médicos nefrologistas, devendo residir no mesmo município
ou cidade circunvizinha.
b)
02 (dois) enfermeiros;
c)
01 (um) assistente social;
d)
01 (um) psicólogo;
e)
01 (um) nutricionista;
f)
Auxiliares ou técnicos de enfermagem de acordo com o número de
pacientes;
g)
Auxiliar ou técnico de enfermagem exclusivo para o reuso;
h)
01 (um) funcionário, exclusivo para serviços de limpeza.
O programa de hemodiálise deve integrar no mínimo em cada turno os seguintes
profissionais:
a)
01 (um) médico nefrologista para cada 35 (trinta e cinco) pacientes;
b)
01 (um) enfermeiro para cada 35 (trinta e cinco) pacientes;
c)
01 (um) técnico ou auxiliar de enfermagem para cada 04 (quatro)
pacientes por turno
de Hemodiálise.
(Quanta gente! Cadê esse povo em Frutal?)
EM
CASO DE EMERGÊNCIA
O
serviço de diálise deve dispor para atendimento de emergência
médica, no próprio local ou em área contígua e de fácil acesso e
em plenas condições de funcionamento, no mínimo, dos seguintes
materiais e equipamentos:
a)
eletrocardiógrafo;
b)
carro de emergência composto de monitor cardíaco e desfibrilador;
c)
ventilador pulmonar manual (AMBU com reservatório);
d)
medicamentos para atendimento de emergências;
e)
ponto de oxigênio;
f)
aspirador portátil;
g)
material completo de entubação (tubos endotraqueais, cânulas,
guias e laringoscópio com jogo completo de lâminas).
Acho
interessante falar sobre a QUALIDADE DA ÁGUA porque é o argumento
usado até o momento pra justificar o não funcionamento do serviço:
A
água utilizada na preparação da solução para diálise nos
serviços deve ter a sua qualidade garantida em todas as etapas do
seu tratamento, armazenagem e distribuição mediante o monitoramento
dos parâmetros microbiológicos e físicoquímicos, assim como, dos
próprios procedimentos de tratamento . A obtenção dos laudos
atestando as condições de potabilidade da água, fornecidos pela
companhia de abastecimento público ou por laboratório
especializado, é de responsabilidade dos serviços de diálise e
todas as coletas de água para análise devem ser realizadas
atendendo às orientações do laboratório de referência
responsável pelas análises (ou seja, é a prefeitura, que quer abrir o serviço, que tem que correr atrás desses laudos).
O
sistema de tratamento da água potável para obtenção da água
tratada para diálise, bem como seu reservatório e sistema
distribuição devem ser especificados em projeto assinado por um
responsável técnico, habilitado na área. O projeto deve conter
informações sobre o laudo de análise da água potável que se vai
tratar, as especificações de operação e manutenção do sistema
de modo a assegurar o padrão estabelecido neste Regulamento, para
água tratada para diálise.
Os
serviços de tratamento e distribuição de água da rede pública
devem disponibilizar às Secretarias de Saúde os laudos dos exames
de controle de qualidade da água potável e informar sobre qualquer
alteração no método de tratamento ou sobre acidentes que possam
modificar o padrão da água potável. Os resultados das análises
realizadas para controle das condições de potabilidade da água da
rede pública devem ser fornecidos pelas Secretarias de Saúde aos
serviços de diálise.
Outro
ponto que merece destaque é a estrutura necessária para a
realização de exames de sangue, pois um grande problema dos
serviços de hemodiálise é o risco de transmitir doenças como HIV
e hepatite de um paciente para outro.
Aqui
eu coloquei somente os pontos mais importantes, mas existe um
detalhamento técnico extenso sobre tudo o que eu
apresentei.
Agora
cabe ao leitor tirar suas conclusões sobre os levantamentos aqui
feitos, e se a explicação de que o serviço ainda não foi aberto
por conta da qualidade da água é aceitável ou não.
Ah!
Pra reforçar a minha chatice em relação ao Conselho Municipal de
Saúde, sugiro que os pacientes que sofrem de doença renal se
organizem em uma associação, pois a partir do momento em que este
serviço foi criado (ainda que só no papel) vocês passaram a ter
direito a um assento no Conselho Municipal de Saúde. Corram atrás
desse direito! Lutem pra ter esse lugar no Conselho e cobrem todos os
documentos e as explicações necessárias até junto ao Papa, se for
preciso!
Quero reforçar que não sou especialista em nefrologia e se alguém que entenda mais desse assunto do que eu vier me ajudar nessa reflexão fico muitíssimo grata!
A meu ver o negócio começou torto, mas agora que começou tem que funcionar!
Pra terminar deixo os links do material que eu consultei e mais alguns que podem complementar informações.
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