quinta-feira, 17 de maio de 2012

Sobre a Estratégia de Saúde da Família - a quem interessa o sucesso e o fracasso da ESF?

Diante do relato que o amigo Celso fez hoje, retomo minhas postagens refletindo sobre a Estratégia de Saúde da Família, área na qual eu atuo desde a minha formação em 2000 e pela qual sou apaixonada e extrema defensora. Acredito que esse trabalho, desde que bem feito, seja a base de um sistema saúde eficiente e eficaz.  Aliás, se resolvi virar professora foi pra convencer mais gente de que essa premissa é verdadeira. Mas vamos ao que interessa!


A Estratégia Saúde da Família (ESF), surgida em 1996 com o nome de Programa Saúde da Família (PSF) é uma variação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) que surgiu oficialmente em 1994.
A proposta de PACS era, diante da falta de profissionais de saúde qualificados, treinar pessoas com perfil de líderes comunitários para, sob supervisão de uma enfermeira, visitar famílias e identificar situações consideradas de risco para saúde (crianças de baixo peso, sem vacina, gestantes sem pré-natal, falta de água tratada, pessoas com pressão alta...) nas áreas mais pobres do país. Intervenções sobre esses  problemas exemplificados, geralmente são simples e de grande impacto, portanto, o sucesso do PACS estimulou a ampliação desse tipo de trabalho pelo Brasil a fora, com algumas modificações.
A proposta do PSF (hoje ESF) cria uma equipe composta por um médico, uma enfermeira, um técnico ou auxiliar de enfermagem e de 4 a 6 agentes comunitários de saúde (ACS) que deve atender um território delimitado com um número estimado de mil famílias. Cada equipe deve acompanhar integralmente as necessidades das famílias que moram no território sob sua responsabilidade: crianças, adolescentes, mulheres, homens, adultos e idosos, trabalhando na promoção de saúde, na prevenção de doenças e na recuperação da saúde quando as pessoas já estão doentes.
Alguns pontos muito importantes a se destacar:
1) diferentemente do senso comum, a ESF não é "o programa que o médico vai atender as pessoas em casa" as famílias devem ser visitadas pelos ACS que são o elo de ligação da comunidade com a equipe, mas os demias profissioanis devem conhecer todo o território e a história das famílias para poder atendê-las de forma integral (o atendimento em casa deve ser feito para todas as pessoas que não conseguem ir até o posto - os acamados);
2) a recuperação da saúde não se dá só por consultas médicas, mas por toda uma estrutura de atenção integral às pessoas, assim a ESF deve usar de consultas de enfermagem, atendimentos em grupo, palestras em escolas e centros comunitários, parcerias com conselho tutelar, secretaria de assistência social, secretaria de esporte, secretaria de cultura e tudo mais que for necessário para promover a saúde no seu território de abrangência;
3) os estudiosos desse tipo de trabalho do PSF - que faz parte da atenção básica ou atenção primária em saúde - definem que, idealmente, em torno de 80% a 90% dos problemas de saúde que chegam às unidades de saúde devem ser resolvidos pela própria equipe, na própria unidade, os encaminhamentos para consultas especializadas e internações devem ser de 20% no máximo;
4) a ESF deve ser a "porta de entrada" do usuário para o sistema de saúde na maioria das vezes em que procurar SUS (exceções são as emegências como por exemplo: infartos, acidentes automobilísticos, trabalho de parto, derrame, intoxicações, agressões por armas de fogo ou armas brancas);
5) por ser uma proposta de atenção integral, considerando toda a família dentro de um território com realidades específicas, todos os membros da equipe, sem exceção, devem trabalhar oito horas por dias, cinco dias da semana (só devem ser contratados profissionais de 40 horas semanais), ou seja toda a equipe deve se dedicar totalmente a este trabalho, sendo que os horários de trabalho devem ser adaptados para atender às necessidades dos moradores (por exemplo, não adianta deixar a unidade aberta das 8h da manhã às 17h da tarde se no bairro a maior parte dos usuários está trabalhando nesse horário, é melhor ter um dia da semana em que se comece mais tarde e termine mais tarde para que as pessoas possam chegar do trabalho e ir ao posto e ter um sábado por mês que a unidade esteja aberta para atender aos trabalhadores);
6) promoção de saúde não é a simples ausência de doença, mas tem a ver com promover condições para que as pessoas tenham uma vida boa e saudável (alimentação, emprego, moradia, esporte, lazer, segurança), por isso, não existe um número máximo ou um número mínimo de consultas a serem realizadas por dia pelo médico ou pelo enfermeiro, a qualidade assitência prestada é avaliada por números chamados marcadores de saúde, que tem a ver com a existência ou não de certos problemas dentro da área atendida pela equipe.
O governo federal tem adotado várias estratégias para estimular a ESF em todo o país. Inicialmente atrelou-se repasse de verba à criação da equipes (muitos prefeitos optaram pela ESF não por acharem uma boa estratégia, mas para receber mais verbas), também criou-se uma política de aumento de salários para os profissionais que optassem por sair do modelo antigo para trabalhar em ESF, atualmente a "bola da vez" é a criação de programas de residência multiprofissional em saúde da família - uma tentativa de qualificar trabalhadores para atuar nesses moldes - já que inicialmente o que houve foi deslocamento de especialistas como ginecologistas, clínicos gerais e pediatras para o atendimento da família (o que só poderia gerar descontentamento tanto dos usuários acostumados com um especialista para atender cada área, quanto de profissionais que já não tinham prática para atender casos que não fossem de sua especialidade). Também foram criados Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) e existe proposta de trabalho compulsório em ESF para formandos das áreas de saúde que optaram pelo FIES enquanto eram estudantes.
No entanto, no Brasil desenvolveu-se uma cultura onde o atendimento feito pelo médico, dentro do hospital é considerado o melhor cuidado, a isso dá-se o nome de cultura hospitalocêntrica o que gera uma desconfiança da população em relação à ESF. Outro problema é a super-valorização de especialidades que toma conta da nossa realidade: a medicina foi fragmentada de tal forma, que parece que o ser humano é uma máquina onde cada especialista só sabe como funciona uma parte, os profissionais esquecem (ou nunca aprenderam) que estão lidando com pessoas, que estas pessoas são parte de uma sociedade e que tanto os problemas que os afligem quanto as soluções para esses males estão na prória sociedade da qual fazemos parte. Outro entrave é a forma de contratação dos profissionais: muitas prefeituras, para fugirem da Lei de Responsabilidade Fiscal terceirizam a contratação dos trabalhadores por meio de fundações, cooperativas, ONGs e associações que normalmente retiram direitos do trabalhador, pioram as condições de trabalho, o que acaba afastando os bons profissionais dessa atividade. Mas a condição mais importante a ser enfrentada é a mercantilização da saúde: apesar de saúde ser um direito constitucional, a existência de doenças serve para enriquecer os grupos responsáveis por planos de saúde, por indústrias farmacêuticas, por empresas que investem na criação de equipamentos para exames sofisticados...
Um médico conhecido meu usava a seguinte frase "está bom porque está ruim, estaria melhor se estivesse pior", ou seja, melhorar as condições de saúde da população vai contra os interesses de muitos poderosos e para a ESF funcionar como deve grandes embates ainda serão necessários. Resumindo - se os usuários do SUS não se posicionarem em defesa dos seus interesses, com certeza não são os grandes donos dos serviços privados de saúde que o farão.

Pesquisando materiais sobre o tema achei que esse questionário do portal transparência pode ser útil pra quem quiser conhecer melhor a realidade da unidade de saúde mais próxima de sua casa. Lembrando que todas as informações a que se refere o questionário devem ser PÚBLICAS

http://www.portaltransparencia.gov.br/aprendaMais/documentos/QuestionarioPSF.pdf

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