sábado, 5 de maio de 2012

A imoralidade do uso do dinheiro da saúde - o caso de Frutal (texto publicado em 19.04 no face)


Como frutalense acredito que colaboro com a cidade, não prestando serviço em creche ou asilo (até porque existe um impeditivo geográfico considerável - estou em Curitiba), mas deixando posts com alguma regularidade, pois creio que compartilhar conhecimento nos torna mais livres.

Me sinto muito tranquila ao opinar sobre os atuais acontecimentos em Frutal, talvez, por estar "olhando de fora", e porque acho que em 12 anos de formada como enfermeira, depois de ser enfermeira de saúde da família em unidade de zona rural e em centro de cidade grande; depois de 10 anos de docência para cursos de profissionalização do atendente de enfermagem, de técnico em enfermagem, de graduação e pós-graduação em enfermagem, de residência mutiprofissional em saúde da família, como mestre em enfermagem de saúde pública e doutoranda em ciências, acumulei experiência pra "palpitar" sobre o assunto...
Toda essa introdução foi feita para expor minha opinião mais técnica sobre a terceirização da saúde em Frutal (nome dado à criação/contratação de empresas/organizações sociais (O.S.) que prestam serviços para o SUS, como no caso do Hospital Frei Gabriel). A terceirização tem sido um artifício muito usado por governos estaduais e municipais para fugir da Lei de responsabilidade fiscal. Alega-se que é mais rápido, menos burocrático, repassar a responsabilidade administrativa para um terceiro (no caso de Frutal a Associação Amigos do Hospital São Francisco de Assis - AAHSA) que pode contratar trabalhadores sem concurso (por CLT ou contrato) e comprar materiais, realizar obras sem a demora das licitações. No entanto, esse tipo de conduta tem sido considerada ilegal pela justiça como já mostrei em outro post). Em Frutal, chamam a atenção: 1) a AASHA contratar exatamente uma empresa cujo sócio é o marido da prefeita, 2) um pequeno grupo ser receber quase 10 milhões em um curto período de tempo.
Sem falar da legalidade da questão (mesmo sabendo de vários casos semelhantes a esse em todo o país que tem sido considerados ilegais, não me cabe julgar esse problema, o que espero, seja feito em instâncias competentes) do aspecto da moralidade, em um município que ainda tem (e muito) por onde aumentar a cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF), onde existem 10 mil diabéticos a serem acompanhados, onde das 1208 crianças de até 4 meses nascidas no ano passado só 836 estiveram em aleitamento exclusivo até o terceiro mês (quase 1/3 das mães não amamentaram nem 3 meses, e o ideal seria que isso acontecesse no mínimo até os 6 meses), que ano a ano enfrenta problema com a dengue, que presenciou em 2010 20,7% das mães  que deram à luz no município serem adolescente; se neste mesmo hospital que atendeu às adolescentes, cinco médicos dividem 10 milhões - digo com todas as letras: um gasto desses é imoral!
Sabe-se que saúde não é a simples ausência de doença, mas é decorrente das condições de vida da população. Considerando que saúde, acesso a renda e acesso à educação estão intimamente ligadas, em uma cidade onde 20% das crianças matriculadas no ensino fundamental estão com idade superior à recomendada para a série que frequentam (ou seja, foram reprovadas, provavelmente por dificuldades; no ensino médio sobe pra 28.6%), onde os 20% mais pobres tem acesso a 3.3% da renda produzida no município e os 20 % mais ricos ficam com 62.2% do bolo, onde 11% das moradias visitadas pelo IBGE em 2010 são irregulares, 16.7% não tem acesso a rede de água e 12.2% a rede de esgoto - repito, gastar 10 milhões com cinco profissionais é imoral! Fossem eles de qualquer categoria!
Defendo aqui, que esse dinheiro teria sido muito melhor usado na atenção básica (AB), pois é o bom trabalho feito na AB que diminui as internações que acontecem no Frei Gabriel. É qualificando e pagando bem os profissionais da ESF (e exigindo que todos - médicos, enfermeiros, dentistas e auxiliares - cumpram 40 horas semanais), aumentando o número de ESF, criando equipes de especialistas para dar suporte adequado a ESF, melhorando a infraestrutura das unidades para que sejam verdadeiras unidades de SAÚDE (e não de doença) que veremos os números de adolescentes grávidas, de internações por uso de álcool e outras drogas, de internações/óbitos por complicações de hipertensão e diabetes, de casos de dengue, de mortes por causas externas (assassinatos, acidentes de trânsito...) caírem.
Todo profissional merece ser bem pago, mas é papel da administração pública usar o dinheiro que chega em suas mãos com responsabilidade para que a comunidade seja beneficiada ao máximo. Em um país onde a média do salário de um médico da ESF gira em torno de 6 mil reais e da enfermeira de 3 mil, esses 10 milhões pagariam muitos meses de trabalho de muitos profissionais que poderiam contribuir bastante nas questões que apresentei acima.
Por fim, quero deixar aqui um elogio público à equipe de trabalhadores do Frei Gabriel - corpo de enfermagem, médicos, trabalhadores das funções básicas (limpeza, manutenção, etc). Minha cunhada deu à luz a minha afilhada lá, e foi muito bem atendida. Todos cuidaram delas com muito respeito e dedicação. Acredito que eles poderiam desenvolver um trabalho muito melhor se o dinheiro destinado à saúde fosse tratado com mais responsabilidade.
Peço desculpas se me prolonguei, mas o assunto é bastante amplo. E para os que quiserem argumentar que fui tendenciosa, como em outros posts que li ontem, também defendo que ninguém é totalmente "isento" em suas opiniões. O simples fato de tomarmos uma linha de raciocínio e defendê-la, nos faz excluir as demais. Podemos respeitar outras linhas, compreender o que o outro interlocutor quis dizer, aceitar que o outro pode ter razão em alguns pontos... mas não dá pra "ter um pé em cada canoa". E se tenho postado constantemente é por acreditar que manter-se neutra diante da uma situação de injustiça é posicionar-se ao lado do opressor. Eu já tomei meu lado.

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